Editais com menos de 3 vagas impossibilitam aplicação da lei de cotas. Levantamento da Univasf e Insper mostra falta de implementação eficaz da reserva de vagas.
Desde 2016, os concursos públicos estaduais também passaram a seguir a mesma regra, garantindo a reserva de 20% das vagas para candidatos negros em concursos que ofereçam no mínimo cinco oportunidades.
Além disso, muitos órgãos públicos têm adotado medidas para aumentar a transparência e a imparcialidade nos processos seletivos, visando garantir que as seleções ocorram de forma justa e equitativa.
Concursos: Um panorama problemático
Um levantamento revelou que, nos últimos dez anos, mais de 70% dos concursos para servidores em instituições federais de ensino tiveram menos de três vagas, o que tem prejudicado o cumprimento da lei. Segundo os pesquisadores, esse cenário se deve ao uso de mecanismos para burlar a lei de cotas por parte das universidades, de forma consciente ou não.
As universidades federais vêm adotando a prática de ‘fatiar’ seus concursos para servidores, criando editais com um número reduzido de vagas. Isso tem impactado negativamente na aplicação da lei de cotas para negros, conforme demonstrado em uma pesquisa divulgada pelo Movimento Negro Unificado (MNU).
A partir de 2014, a lei determina que 20% das vagas em concursos públicos federais sejam reservadas para candidatos negros, desde que o total de vagas oferecidas seja igual ou superior a três. Entretanto, de acordo com o estudo do MNU, mais de 70% dos concursos para servidores em instituições federais de ensino nos últimos dez anos foram elaborados com menos de três vagas.
O relatório identificou que essas seleções contam com características que facilitam a burla da lei de cotas, de forma intencional ou não. Uma das estratégias utilizadas é a divisão de mais de 40 mil vagas em editais específicos, segmentando por especialidades, locais de atuação e departamentos, resultando na maioria dos concursos com menos de três vagas.
Essas ações impediram que cerca de 10 mil profissionais negros fossem nomeados para cargos no serviço público federal, privando-os de receber, em conjunto, R$ 3,5 bilhões nos últimos anos, conforme relatado pelos pesquisadores.
O estudo, conduzido pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), pelo Insper e por outras instituições, foi entregue ao Tribunal de Contas da União (TCU) na última segunda-feira (18), com o intuito de auxiliar o órgão na definição de futuras ações relacionadas ao tema.
Reserva de vagas: Análise detalhada
Uma pesquisa motivada por um relatório do Ministério da Mulher, publicado em 2021, revelou informações relevantes sobre a situação. O estudo realizado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) evidenciou que, mesmo após a criação da lei de cotas em 2014, o percentual de nomeações em vagas reservadas para negros no cargo de Professor da Carreira do Magistério Superior era de apenas 0,53% até 2019.
Os pesquisadores analisaram um total de 9.996 editais de processos seletivos publicados entre 10 de junho de 2014 e 31 de dezembro de 2022 por 56 instituições federais de ensino e cinco segmentos diversos do serviço público federal em todo o Brasil. Eles constataram que, respectivamente, 74,6% dos concursos públicos e 76% dos processos seletivos simplificados realizados por instituições federais de ensino tinham menos de três vagas.
Em todos os editais analisados, foram abertas 46.309 vagas, e, de acordo com a pesquisa, 9.129 tinham potencial para serem reservadas para pessoas negras, porém não foram. Isso não se deu por falta de qualificação dos candidatos, mas sim pela utilização de mecanismos para burlar o sistema, conforme indicado no relatório. A ausência de cotas resultou em uma perda de R$ 3.570.289.280,40 para a comunidade negra nos últimos anos, levando em conta a quantidade de vagas que deveriam ter sido reservadas e os salários associados a elas.
Processos seletivos simplificados: Estratégias de manipulação
- Instituições omitem a obrigatoriedade da implementação da lei de cotas em seus editais.
- Fracionamento de cargos públicos em categorias menores, como áreas de conhecimentos, subáreas e especialidades.
- Divisão de um determinado número de vagas em um cargo em diferentes editais publicados consecutivamente no mesmo mês.
- Atribuição de vagas a diferentes locais de atuação do futuro servidor, como se fossem unidades independentes da administração central.
- Abertura de vários editais por unidades administrativas menores dentro de uma mesma instituição.
- Utilização de sorteios ou critérios arbitrários para selecionar quais especialidades de um concurso seriam contempladas pela lei de cotas.
Nenhuma das práticas mencionadas acima foi considerada válida pelos pesquisadores, que destacaram que, em razão delas, a população negra tem sido privada de seus direitos em meio a um processo de reparação histórica adiado.
O relatório ressaltou que, durante um julgamento em 2017, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso afirmou que ‘os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa’.
Na entrega do relatório ao TCU, os pesquisadores recomendaram medidas, como a elaboração de uma portaria para orientar as instituições de ensino na realização de um planejamento anual para a abertura de concursos e para emitirem relatórios sobre a presença de pessoas negras nos processos seletivos.
Estratégias para burlar a lei de cotas: Atuação governamental
Questionado pelo g1, o Ministério da Educação afirmou que ‘mantém um diálogo contínuo com as 69 universidades federais do país’ e enfatizou que elas têm autonomia, conforme previsto na Constituição.
O MEC expressou a compreensão de que os editais de concursos elaborados pelas instituições podem ser aprimorados para evitar distorções no cumprimento dos objetivos da lei, como identificado em pesquisas recentes, inclusive do próprio MGI (Ministério da Gestão e Inovação).
Apesar de as universidades federais seguirem a legislação vigente em seus certames, o ministério espera que as medidas já propostas pelo governo federal sejam eficazes para corrigir as distorções apontadas em pesquisas recentes. Por outro lado, o Ministério da Gestão e Inovação (MGI), responsável por políticas e normas para concursos públicos, não se manifestou até o momento da última atualização deste conteúdo.
Estratégias para burlar a lei de cotas: Reflexão final
Diante do cenário apresentado pelos estudos, é fundamental uma análise profunda sobre os mecanismos utilizados para burlar a lei de cotas em concursos públicos federais. A implementação efetiva das cotas é um passo importante rumo à equidade e à inclusão social, e evitar estratégias que minem esse processo é essencial para garantir justiça e igualdade de oportunidades em nosso país.
Fonte: © G1 – Globo Mundo