Exposição no Museu Judaico de São Paulo mostra o legado da diáspora judaico-marroquina, com arte, fatores econômicos, sociais e políticos influenciando a imigração judaica para a Amazônia, regatões com embarcações de nomes judaicos, em cidades como Tânger, Tetuan, Fez e Marrakesh, marcadas pela aridez das terras e necrópoles verdes judaicas, incluindo o Boi Caprichoso com estrela de cinco pontas na frente.
A diáspora judaico-marroquina, com seus 400 anos de história, já era um tema sensível em si. Mas, na floresta amazônica, terá ainda uma denúncia contra as forças que, ao longo dos séculos, atentaram contra a integridade da comunidade, desde a inquisição espalhada por toda a Europa até os deslocamentos forçados e a perseguição nos tempos modernos, contando com momentos de migração e imigração.
A pesquisa, realizada por pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Universidade do Oeste do Paraná, teve o apoio da Fundação para o Desenvolvimento da Pesquisa e do Museu Judaico de São Paulo, que conta com a exposição até 18 de março de 2024. Segundo o coordenador da pesquisa, a diáspora judaico-marroquina é um capítulo da história dos judeus que se perdeu. Mas a verdade é que ela é um capítulo de toda a história da humanidade, que precisa ser lembrada e analisada com mais profundidade, e que precisa ser lembrada para que não se repita.
Na diáspora, o destino era o Amazonas
Entre 1810 e 1930, mais de 200 itens, entre obras de arte da diáspora judaica, vídeos, documentos e registros fotográficos, recuperam a memória dessa imigração, quando centenas de famílias vieram de cidades como Tânger, Tetuan, Fez e Marrakesh, levando consigo uma rica herança cultural e histórica. Esses judeus já teriam permanecido por mais de três séculos no Marrocos, após serem expulsos da Península Ibérica durante a Inquisição, entre os séculos 12 e 18.
Uma diáspora marcada por fatores econômicos e políticos
Segundo a cronologia da exposição, ‘fatores econômicos, sociais e políticos’ teriam causado a segunda onda migratória, desta vez da ‘aridez das terras marroquinas’ para a ‘abundante floresta amazônica’, incentivando a diáspora em direção ao Brasil. Os imigrantes não se estabeleceram somente nas capitais Manaus e Belém, mas também em Parintins e Itacoatiara, no Amazonas, e Gurupá e Cametá, no Pará — onde havia uma das mais antigas sinagogas do Brasil. Eles seguiam uma tradição de comércio, adentrando os estados como mascates dos rios (os chamados ‘regatões’), em embarcações que não raro traziam nomes judaicos como Levy ou Bennaroch.
Uma diáspora que reverberou na cultura local
Na mostra, há indícios, por assim dizer, alegóricos, de como a cultura judaica reverberou em costumes locais ao longo do tempo. A exemplo da estrela de cinco pontas na fronte do Boi Caprichoso, do Festival de Parintins. Ela seria uma alusão à estrela de Davi, emblema desenhado ou afixado aos escudos dos guerreiros do rei Davi, na tradição judaica. Os dois triângulos sobrepostos, representando as três letras do alfabeto hebraico, que compõem o nome Davi. Também existem referências explícitas à própria estrela, como aquela pintada em um vaso da típica cerâmica da Ilha do Marajó, no Pará. Ou mesmo evidências desveladas literalmente a facão, como as ‘necrópoles verdes’ judaicas, encontradas na floresta, como é o caso do Cemitério Judaico de Gurupá, descoberto em 2017, na região do Baixo Rio Amazonas. Em processo de tombamento, esses cemitérios apontam que, embora não tivessem uma prática religiosa em sinagogas, aqueles imigrantes queriam ser enterrados como judeus.
Um projeto de curadoria multidisciplinar
Um projeto de tal monta dificilmente sairia do papel não fosse a multidisciplinaridade de sua curadoria, de que fazem parte Aldrin Moura de Figueiredo (historiador), Renato Athias (antropólogo), Mariana Lorenzi (Coordenadora de Curadoria e Participação do MUJ) e Ilana Feldman (professora, pesquisadora, ensaísta e curadora independente). Foi Ilana quem plantou a semente para a exposição quando assumiu a curadoria geral do museu, em 2021, ano de sua inauguração, antes de se tornar professora adjunta na Escola de Comunicação, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ). A relação da curadora com o assunto não poderia ser mais próxima: ‘Minha mãe é de família judia marroquina de Belém, no Pará. Ela é filha de uma paraense, nascida no Marrocos, com um judeu que veio da Bessarábia, hoje Moldávia. É dele que vem o nome Feldman. Minha mãe vem de uma linhagem de matriarcas marroquinas, das Benoliel Sabat’, conta ela, em conversa com o NeoFeed.
Fonte: @ NEO FEED