Pautas como descarbonização e transição energética são cada vez mais visíveis para os investidores, tornando-se teses de investimento multidisciplinares.
No dia 26 de março, houve grande repercussão com a divulgação da carta anual para os investidores por Larry Fink, CEO da BlackRock. Muitos demonstraram surpresa com a ausência notável do termo ESG ou ASG (Ambiental, Social e Governança) e a abordagem superficial dada ao tema, levantando questionamentos sobre a importância dada a questões tão relevantes nos dias atuais.
Com a crescente preocupação com questões ambientais, sociais e de governança no cenário econômico atual, a falta de destaque para o termo ESG na carta da BlackRock gerou debates acalorados. Investidores e especialistas estão cada vez mais atentos às empresas que incorporam práticas sustentáveis em suas operações, o que ressalta a importância de abordar de forma estratégica e transparente esses aspectos na comunicação corporativa.
ESG em meio aos reveses econômicos e sociais
Minha leitura da carta, contudo, se distancia desta visão. Me parece que, assim como em uma guerra, estamos diante de um recuo tático e reposicionamento necessários para reagir ao novo ambiente econômico, social e político. Nos últimos meses o ESG tem sofrido alguns reveses.
JP Morgan e State Street deixaram de fazer parte do Climate Action 100+, seguidos da própria BlackRock que reduziu sua participação no grupo, organização civil, com foco na preservação do meio ambiente, que reúne mais de setecentos investidores ao redor do mundo.
Em relação aos investidores, as saídas líquidas de recursos dos chamados fundos sustentáveis têm se tornado mais frequentes e levado algumas Assets globais a encerrarem as atividades de alguns destes veículos de investimento. Entre as frustrações, podem existir desde retornos decepcionantes até alguns pífios resultados alcançados em termos de melhoria para o clima e sociedade.
A polarização política e o debate em torno do ESG
Por fim, o ESG passou a fazer parte do debate político, extremamente polarizado, que contrapõe direita e esquerda. O boicote de estados governados pelo partido republicano americano às gestoras mais ativas em relação a agenda da sustentabilidade, pauta identificada com o partido democrata, é um exemplo de como o debate foi contaminado.
O próprio Larry Fink declarou outro dia que não usa mais a palavra ESG, ‘porque ela foi totalmente armada… pela extrema esquerda e armada pela extrema direita’. Ao que me parece a discussão sobre o ESG amadureceu. Está mais difícil para as empresas fingirem que adotam práticas ESG, o chamado greenwashing.
Ficou claro que enquanto alguns ganharão outros sofrerão perdas (pelo menos no curto prazo) e que o que é oportunidade para uns é ameaça para outros. Para nós que tratamos de finanças e investimentos, conforme o tempo passa, vamos percebendo que ESG é um conceito, ou um princípio, muito mais amplo que o originalmente imaginado.
A ampla abordagem multidisciplinar do ESG
Estas três letras representam muitas preocupações que não podem ser tratadas de forma monolítica, mais fácil que sejam desdobradas de forma multidisciplinar. Fazendo uma comparação distante, é algo como a discussão que pegou fogo na década de 80 que opunha o conceito de capitalismo de stockholder, mainstream à época, ao nascente capitalismo de stakeholder.
Nos dias de hoje ficou anacrônico defender que as empresas têm por objetivo maximizar o lucro do acionista e pronto. A preocupação com fornecedores, clientes e sociedade passou a fazer parte de objetivos estratégicos e metas de qualquer companhia relevante no mercado de capitais. ESG é muito maior que uma tese de investimento.
Por este motivo, além do patrulhamento ideológico, Larry Fink passou a se referir a descarbonização e transição energética. Saiu do genérico e passou a focar o específico, e possível no momento. Assim como o debate sobre os capitalismos, stockholder contra stakeholder, demorou anos para chegar a um novo consenso, o mesmo acontecerá com a sustentabilidade e suas derivadas.
Os desafios e recomendações para a sustentabilidade financeira
Os riscos associados ao clima são inegáveis. Vários organismos como Financial Stability Board (FSB), Fórum Econômico Mundial, Banco de Compensações Internacionais (banco central dos bancos centrais), entre outros, vêm publicando recomendações sobre o tema.
No Brasil, Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários (CVM) têm emitido diferentes normativos, em sintonia com seus pares no mundo, com explícita preocupação de que bancos e empresas calculem e comuniquem os riscos incorridos em suas operações. É um caminho sem volta. Como qualquer movimento social, são dois passos para frente e um para trás.
É preciso muita conversa, erros e acertos, aprendizados e convencimento, até que um novo consenso, ou algo próximo, se estabeleça. ESG é uma tese muito embasada na mitigação de risco neste momento.
Não há dúvida que fenômenos como tempestades, secas, inundações estão se tornando mais frequentes e intensos, aumentando os riscos para os resultados financeiros de seguradoras, bancos, empresas aéreas, concessionárias de serviços públicos etc.
Ações e títulos de dívida de empresas destes setores, e outros tantos, podem estar nas carteiras de qualquer um de nós ou nos portfólios de nossos planos de previdência. Portanto, precisam ser diligentemente mitigados sob risco de comprometer nossos patrimônios hoje e no futuro. Contudo, não é possível fazer tudo ao mesmo tempo o tempo todo.
A justificativa apresentada pelas instituições para se afastar do Climate Action 100+ é esclarecedora. Nenhuma delas alegou discordância explícita, apenas que as novas metas traçadas foram muito ambiciosas, que deveriam ser mais cadenciadas. Ou seja, que precisariam de mais tempo.
Do lado de uma gestora de recursos, o mais importante é garantir que os interesses dos investidores sejam preservados, o que chamamos de dever fiduciário. Neste sentido, a menos que o objetivo do fundo seja explicitamente ligado a sustentabilidade, um gestor não pode privilegiar um investimento com selo ESG em detrimento de outro que ofereça melhores condições de risco retorno.
É uma questão de dever fiduciário. Outra armadilha que advém de apertar o torniquete das metas sustentáveis é criar uma pressão de demanda sobre os ativos com este selo. Considerando que não existem ativos sobrando no mercado, isso com certeza elevaria seus preços, reduziria o retorno e retiraria tais alternativas da lista de possibilidades do gestor.
O futuro do ESG e os desafios da sustentabilidade financeira
O ESG veio para ficar, mas não como um monobloco. Pautas como descarbonização e transição energética vão se tornar a cada dia mais visíveis, vão ganhando nomes próprios, vão virando teses de investimento e ganhando espaço na carteira dos gestores de investimento.
Vai levar um tempo, mas entre avanços e recuos, a cada dia a pauta vai se impondo e, em algum momento, a discussão não será mais se ela é importante, mas sobre quais são as prioridades. Hudson Bessa – Economista e sócio da HB Escola de
Fonte: @ Valor Invest Globo