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O artigo 574 do CPP prevê a remessa necessária da sentença em Habeas Corpus, mas não é mais cabível no sistema acusatório.
Apesar de o artigo 574 do Código de Processo Penal prever a remessa necessária da sentença que concede a ordem em Habeas Corpus, essa prática não é mais adequada, pois se revela incompatível com o sistema acusatório e as atribuições do Ministério Público.
Ainda que haja a possibilidade de reexame da decisão, esse procedimento não se mostra necessário nos casos em que a ordem é concedida, uma vez que a remessa obrigatória contraria os princípios fundamentais do processo penal brasileiro.
Decisão do TRF-4: Remessa Necessária Criminal 5012994-54.2023.4.04.7005
Para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o Habeas Corpus concedido para permitir o plantio de maconha não necessita de confirmação em segunda instância. Com base nesse entendimento, a 8ª Turma do TRF-4 decidiu não conhecer do recurso enviado pelo juiz que concedeu o salvo-conduto, permitindo que uma pessoa cultive maconha para extrair óleo medicinal. O autor do HC, representado pelo advogado Lucas Fratari, se beneficiou de uma posição consolidada na jurisprudência do STJ e replicada por outros tribunais. O magistrado aplicou o artigo 574, inciso I do CPP, dispositivo presente na lei desde sua redação original, de 1941, visando garantir o duplo grau de jurisdição em casos de concessão de ordem em HC, embora raramente utilizado.
O desembargador Loraci Flores, relator na 8ª Turma do TRF-4, apontou que o dispositivo não foi recepcionado pela Constituição de 1988, por ser incompatível com o sistema acusatório e as funções do MP ali definidas. Ele destacou que a intervenção no processo não deve ocorrer à revelia da prerrogativa exclusiva do Ministério Público Federal, que pode recorrer às cortes recursais se julgar necessário. O recurso é um remédio disponível para quem sofreu algum ônus no processo, mas o juiz, como sujeito processual, não possui interesse em recorrer de sua própria decisão.
A remessa necessária, prevista no CPP, é um instrumento mais comum no direito civil, conforme o artigo 496 do CPC. Seu objetivo é garantir o duplo grau de jurisdição para que as decisões contra entidades públicas só tenham efeitos após confirmação. No entanto, o desembargador Loraci Flores ressaltou que o direito penal possui particularidades que não recomendam a mesma lógica. Isso se deve à ausência de interesse da Fazenda Pública nos processos penais e à natureza acusatória do sistema vigente.
A tutela da sociedade não pode ser desconsiderada, mas isso não autoriza a coletividade a exigir a confirmação pelo Tribunal de uma decisão favorável ao réu para que produza efeitos. A ordem pública é garantida à sociedade, mas a tutela do processo penal é exercida pelos órgãos constitucionalmente designados para tal. A remessa necessária criminal 5012994-54.2023.4.04.7005 exemplifica a importância de compreender as especificidades do sistema penal ao aplicar instrumentos jurídicos.
Fonte: © Conjur