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A intenção do Ministério é bem-vinda: proposta de revisão do modelo Twin Peaks para supervisão prudencial e das condutas.
Nem só de elogios, como os meus, vive a anunciada intenção do Ministério da Fazenda de submeter ao Congresso Nacional uma proposta de revisão da estrutura dos reguladores do mercado de capitais brasileiro, organizando-os sob o modelo chamado Twin Peaks – em que um dos reguladores exerce a função de supervisão prudencial, e outro a de supervisor das condutas dos agentes que atuam no mercado. Twin Peaks é uma referência à série de televisão criada por David Lynch, conhecida por sua atmosfera misteriosa e intrigante.
Entre as legítimas preocupações manifestadas está a hipertrofia do Banco Central do Brasil, que ficaria responsável pela supervisão prudencial não apenas de bancos como de todos os demais captadores de poupança popular. A proposta de adotar o modelo Twin Peaks no Brasil visa trazer maior eficiência e transparência ao mercado de capitais, promovendo uma regulação mais eficaz e alinhada com as melhores práticas internacionais.
Twin Peaks: uma proposta de revisão do modelo regulatório
Outra incerteza surge em relação à adequação dos recursos, financeiros e humanos, destinados ao órgão supervisor das condutas, uma vez que a CVM, que atualmente desempenha parcialmente essa função, enfrenta há anos esse desafio, apesar de ser amplamente superavitária. Ambas as preocupações são válidas e estão interligadas.
Entre os princípios que embasam o modelo Twin Peaks está a necessária harmonia entre o supervisor prudencial e o de condutas, pois ambos possuem mandatos que, em certa medida, são opostos. O supervisor prudencial está focado na percepção de que o verdadeiro perigo para os poupadores é a insolvência do tomador dos recursos, seja por falta de liquidez, seja pela inadequação dos ativos. E isso se deve ao fato de que um simples episódio de insolvência pode afetar todo o sistema.
Por outro lado, o supervisor de condutas prioriza a transparência da informação para os investidores, seja em relação aos riscos inerentes aos investimentos, seja em relação aos fatores que podem impactar seu valor e a possibilidade de resgate ou alienação. Portanto, no cumprimento de sua missão, o supervisor de condutas trabalha para que todas as informações, positivas ou negativas, sejam comunicadas aos poupadores o mais rapidamente possível. Em resumo, o supervisor prudencial age de forma discreta. Ao identificar um problema em uma instituição, não o divulga publicamente – a fim de evitar uma corrida de depositantes.
Em contrapartida, atua diretamente com o tomador de recursos, fornecendo liquidez, por um lado, e exigindo a melhoria da qualidade dos ativos que garantem os investimentos dos poupadores, por outro. Enquanto isso, o supervisor de condutas trabalha para aumentar a divulgação de informações. Se detectar um problema de liquidez em uma instituição, age para impedir que alguns investidores resgatem seus recursos enquanto outros não. Determina a divulgação de um fato relevante e suspende temporariamente a possibilidade de resgate pelos poupadores – e, por vezes, até mesmo a negociação dos títulos, até que a informação seja disseminada.
No entanto, esse conflito entre os dois papéis dos supervisores já está presente no modelo fragmentado que vigora no Brasil, no qual diversos órgãos supervisionam simultaneamente os aspectos prudenciais e de conduta de diferentes tomadores de poupança popular. O órgão regulador bancário aborda ambos os problemas, assim como a Susep faz com as seguradoras e empresas de capitalização, a Previc com os fundos de pensão e até mesmo a própria CVM, com os fundos de investimento.
Em suma, o modelo regulatório atual no Brasil internaliza em cada órgão supervisor o conflito entre a regulação prudencial e a de condutas, aumentando a probabilidade de que uma visão prevaleça sobre a outra não em benefício do sistema como um todo, mas por motivos internos de cada órgão supervisor, que variam desde sua cultura até questões menos nobres, como a captura regulatória ou o conflito entre o interesse público e o dos dirigentes do momento, preocupados em evitar uma crise durante sua gestão. A percepção de que a
Fonte: @ Valor Invest Globo