O psicólogo reflete sobre dependência por atenção e identidade, abordando temas como vínculo-corpo, ambiente-caótico e armário-filme em seu novo livro sobre jovem gay e profundo recomeço.
Eu sempre acreditei que a minha vida era um grande drama, com personagens e cenários que pareciam sair de uma trama de filme. A verdade é que eu vivia me sentindo como um ator trágico, sempre pronto para desempenhar meu papel no mundo. Mas, na verdade, eu era apenas um personagem em um cenário mais amplo, e o drama era apenas uma parte da minha história.
Com o tempo, eu comecei a perceber que meu drama era também um vício, um hábito que eu desenvolvia ao longo dos anos. Eu me sentia viciado em sofrer, em me sentir triste e desesperançado. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que era capaz de mudar, de superar o meu drama e encontrar a felicidade. A verdade é que eu estava cansado de ser o protagonista do meu próprio drama, e eu queria encontrar uma nova trama, uma nova história para ser contada. Eu estava pronto para dar um fim ao meu drama e começar uma nova página na minha vida.
Desvendando as Sombras do Drama
Eu, um jovem que sempre pareceu saber onde o drama se escondia, me pergunto: é que isso era uma escolha ou uma necessidade? Pode parecer exagerado, mas eu realmente achava que o drama era meu papel principal. E, para ser sincero, eles estavam certos. Eu precisava de situações intensas e emoções em altos e baixos para encontrar esses momentos raros de calmaria. Era como se estivesse em busca de frenesis emocionais, criando conflitos e embates em cada oportunidade, inventando drama como se fosse uma segunda natureza.
Acho que muitos acreditam que era apenas uma busca por atenção, mas a verdadeira razão era mais profunda. O drama era minha forma de sobrevivência, uma maneira de lidar com a dor e o sofrimento que sempre estiveram presentes em minha vida. Cheguei ao mundo com o pé na porta, causando danos irreparáveis, e um ambiente instável que alternava entre amor e caos. O amor era tratado como um humor subversivo, e amar e ser amado significava ser engraçado e divertido. Eu aprendi a atuar para todos verem, escondendo-me em um fantasma vagante ao longo de minha infância.
Eu me refiro a essa época como a Era do Abuso e do Vício, pois foi nela que as costelas de minha mãe foram quebradas, e eu fui hospitalizado por meses. Gerações de abuso e vício em álcool, drogas e jogo criaram um ambiente caótico em que tapas eram distribuídos tão livremente quanto abraços. O ambiente me ensinou a esperar o inesperado e a me conectar com meu corpo de maneira superficial. Amar e ser amado significavam ser engraçado e divertido, e eu aprendi a atuar para todos verem. Minha infância foi marcada por desconexão, e eu me sentia como um fantasma vagante, procurando por momentos em que sentisse ser aceitável voltar ao meu centro.
Na escola, sofri bullying por ser um jovem gay com dificuldades de aprendizado. Muitas tardes, eu ficava sozinho em um armário, sem saber para onde ir ou o que fazer. Eu me sentia preso, como se fosse uma cena de um filme adolescente, e precisava fugir. Aos 13 anos, eu fingi meu próprio suicídio, organizando meticulosamente a cena: espalhei comprimidos pelo chão, arrumei com cuidado o quarto com a garrafa d’água a centímetros dos meus dedos e escrevi uma carta de despedida. Queria punir meus pais, meus colegas da escola e meus professores, além de pedir ajuda para alguém me resgatar daquele caos e sofrimento. Estava em busca de um profundo recomeço, como se fosse reiniciar um computador que ficou doido. Passei meses entrando e saindo do hospital, inventando sempre um jeito de ser readmitido. O hospital era um refúgio para mim, um lugar onde podia ser grandioso e expressivo.
O drama se tornou minha profissão, trabalhando como ator, diretor e coreógrafo. Estava sob estresse constante, e consegui lidar com isso, mas não percebi que estava usando o estresse para prosperar. Minha tolerância para disfunção, crise e caos estava sendo levada ao limite.
Fonte: @ Veja Abril