A fragmentação do G20 reduziria sua capacidade de pautar a agenda internacional, mas pode piorar com a Argentina liderando mudanças no regime e as alianças, afetando convencimento em reuniões.
O multilateralismo, uma concepção essencial para a globalização contemporânea, parece estar desmoronando. Neste contexto, o último G20 antes da posse de Donald Trump e da suposta morte desse conceito, ganha um significado particularmente relevante. A reunião de cúpula presidida pelo Brasil, realizada no Rio de Janeiro na segunda-feira (18) e terça-feira (19), tem sido vista por muitos diplomatas e analistas como um ponto de inflexão para o multilateralismo.
Donald Trump, durante seu primeiro mandato (2017-2021), não apenas desafiou a legitimidade do G20, mas também buscou fortalecer arranjos bilateral ao longo de sua gestão. Este caminho, muitas vezes percebido como uma retórica contra o multilateralismo, foi marcado por acordos estritamente bilaterais e, em alguns casos, por uma tendência de enfraquecer as estruturas multilaterais. Neste cenário, o G20, como um fórum fundamental para discussões multilaterais, assume um papel crucial na reafirmação e reforço do multilateralismo.
Desafios ao multilateralismo
Os Estados Unidos, sob o comando do republicano, têm se mostrado inflexíveis em várias cúpulas do G20, levando a uma falta de consenso entre os líderes. Em três dos quatro anos de participação, os EUA se opuseram firmemente à adesão a acordos internacionais, inclusive o Acordo do Clima de Paris. Este, por sua vez, busca apoiar metas ambiciosas para mitigar o aquecimento global, mas os EUA rejeitam qualquer compromisso que possa prejudicar seus interesses, conforme expresso em seu dissenso. Este descontentamento se manifesta em parágrafos adicionais que enfatizam a decisão de se retirar do Acordo de Paris, em nome de proteger trabalhadores e contribuintes americanos. Com isso, os EUA se posicionam de forma isolada em relação a suas contrapartes, reforçando sua resistência a arranjos multilaterais e a cooperação internacional.
O impacto da dissidência
A dissidência dos EUA não se limita apenas ao Acordo do Clima, mas também se manifesta em outras áreas. Em 2019, o presidente Trump tentou dividir o G20, pressionando o Brasil, a Turquia e a Arábia Saudita a se juntarem à sua posição contrária ao Acordo do Clima, o que poderia impor uma declaração final sem compromisso climático. Contudo, o trabalho incansável de convencimento do presidente francês, Emmanuel Macron, garantiu que esses líderes aceitassem a declaração final que incluía compromissos climáticos. Dessa forma, a cúpula de 2019 conseguiu evitar uma divisão mais profunda entre os países.
O multilateralismo em xeque
Com o segundo mandato do presidente Trump, espera-se que a resistência dos EUA a arranjos multilaterais se intensifique. Além disso, os EUA podem se fortalecer na sua capacidade de cooptar outros países, o que poderia levar a uma dissidência maior entre os líderes do G20. A Argentina, por exemplo, já demonstrou uma oposição semelhante, com suas posições divergentes em temas como gênero, taxação de bilionários e agenda 2030. Isso poderia levar o G20 a voltar ao modelo sem consenso, com os EUA e a Argentina impedindo o acordo, reforçando o desafio ao multilateralismo.
Fonte: @ Valor Invest Globo