Um repórter do Cemitério Cerejeiras em São Paulo sul entrevista familiares e escreve biografia de finados em uma hora e meia.
Em muitas famílias brasileiras, a prática de contar a história de pessoas falecidas com foco em velórios é cada vez mais comum, e está sendo influenciada por modelos estadunidenses. Porém, há uma opção alternativa para essas famílias que buscam um modelo distinto e mais simples.
Em uma área da periferia de São Paulo, um cerimonialista ex-padre desenvolve uma abordagem diferenciada para as cerimônias de despedida. Suas intervenções são realizadas com um ritmo apressado, semelhante ao de um repórter tentando cumprir prazos, demonstrando uma combinação única de agilidade e sensibilidade ao lidar com as famílias dos falecidos. Famílias que escolhem esse modelo o fazem por preferirem velórios mais simples e diretos, sem a necessidade de grande cerimônia.
Velórios: um exercício de sensibilidade e storytelling
Em um cenário inusitado, o cerimonialista Leonardo Calazans dos Santos, 42 anos de idade, muito próximo do termo ‘velórios’, encontra-se numa situação semelhante à de um repórter, onde ele entrevista familiares, redigindo a história da pessoa falecida e lê ao lado da cova antes do enterro. É um trabalho raro, mas que ele já realizou mais de 500 vezes, um número que demonstra a resposta positiva da população pela sua atuação.
‘Geralmente as pessoas gostam, para a maioria é novidade. A resposta é muito positiva’, declara o cerimonialista, cuja profissão se assemelha ao trabalho de um repórter, onde ele entrevista pessoas para contar uma história, escreve e publica rápido.
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O cerimonialista do Cemitério Cerejeiras, Leonardo, conta que ‘tudo depende muito da sensibilidade e do momento. Às vezes, alguma informação da família serve para o título, outras vezes eu percebo um ponto principal que define a pessoa’.
Cemitério Cerejeiras, com o Jardim Ângela ao fundo, na zona sul de São Paulo, onde o cerimonialista atua. Biografia de finados agrada parentes e amigos
O processo de entrevista com um ou vários familiares e amigos dura cerca de meia hora. Quando começou, em 2018, Leonardo utilizava um roteiro. ‘Às vezes, surge uma conversa paralela mais interessante do que a pergunta que eu fiz’, explica o cerimonialista.
Após a entrevista, o cerimonialista vai para o escritório do cemitério e escreve a história da pessoa falecida e após meia hora está pronto para ler a biografia de 700 a 800 palavras ao lado do caixão, antes do enterro.
‘Uma jornalista que enterrou o pai me perguntou se eu também tinha essa formação’ – Leonardo Calazans
Leonardo consegue fazer dois textos por dia, é raro quando faz três. A maioria apesar de constituir uma despedida honrosa e inesperada, nem sempre os entrevistados concordam sobre o perfil da pessoa falecida. ‘Em um caso, com diversos filhos, os mais velhos tinham uma experiência de mais rigidez com o pai. Os mais novos viam uma pessoa mais prestativa, religiosa. Na verdade, são épocas diferentes da mesma pessoa. Não pode ser muito metafísico, mas também não é lugar de lavar a roupa suja’, explica o biógrafo.
Em meio à tristeza pelos finados, morte exige providências burocráticas, mas texto com biografia é uma surpresa que conforta.
Surgem até perfis cômicos entre os finados
Entre muitas histórias, duas marcaram Leonardo. Em uma delas, amigos resolvem participar da entrevista. O morto levava a vida na brincadeira e a história estava ficando engraçada demais. ‘Até os filhos riam’. Na cerimônia, ‘teve tristeza, mas foi inevitável ter riso, a maioria das informações era engraçada’.
Leonardo está acostumado com a situação oposta, trágica, mas, mesmo assim, ela pode se tornar pesada demais. Parentes e amigos de pessoas mortas podem deixar recados nesses corações, com homenagens aos
Fonte: @ Terra