Relatório do think tank do Reino Unido destaca aumento recorde nos gastos de Defesa global, impulsionado pela Otan. EUA são responsáveis por 41%, Rússia investe um terço de seu orçamento.
O aumento dos gastos militares ao redor do mundo tem sido uma realidade constante nos últimos anos. Conflitos armados em diversas regiões, como no Oriente Médio e na Ásia, têm impulsionado os países a investirem cada vez mais em seus exércitos e armamentos.
Os investimentos em Defesa são vistos como necessários por muitos governos para garantir a segurança nacional e proteger seus interesses estratégicos. No entanto, o aumento das despesas militares também levanta preocupações em relação ao escalonamento dos conflitos armados e à possibilidade de uma corrida armamentista global.
‘Gastos militares’ atingem níveis históricos
A quantidade de guerras e crises entre países em andamento em 2023 levou o mundo a ter gastos militares só comparáveis aos da Segunda Guerra Mundial, de acordo com um estudo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS).
O relatório, que levanta anualmente quanto cada país gastou na área, apontou um recorde de US$ 2,2 bilhões (cerca de R$ 10, 9 bilhões) em gastos mundiais na área de Defesa em 2023, um aumento de 9% na comparação com 2022. E indica que essa marca deve ser batida em 2024, tomando como base os recursos já reservados para orçamentos de vários países este ano.
O número sem precedentes na história moderna mundial foi impulsionado, principalmente, pelo aumento dos orçamentos dos países que integram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), diante do temor de um conflito com a Rússia, atualmente em guerra com um vizinho de membros da aliança militar ocidental.
A Otan determina que, caso um país membro seja invadido, todos os outros devem defendê-lo.
Os Estados Unidos, que tornaram-se o principal patrocinador da Ucrânia na guerra contra a Rússia e já aprovaram pacotes de ajudas bilionárias a Israel na luta contra o Hamas, respondem sozinhos por quase metade de todos os gastos militares no mundo.
De acordo com o levantamento do IISS, Washington gastou o equivalente a 41% de todo o orçamento militar do mundo em 2023. E a chance de um enfrentamento com a Rússia fez também os outros membros da Otan aumentaram, em média, seus orçamentos em 32%, diante do ano anterior.
Já os gastos militares da Rússia não são divulgados pelo governo, mas o relatório do instituto britânico estimou que o país tenha usado um terço de todo o seu orçamento de 2023 na guerra que mantém na Ucrânia. O estudo destaca ainda um crescimento de gastos em Defesa acima da media em países como Índia e China.
‘Nova Guerra Fria’
Para além das guerras pontuais, os gastos sem precedentes na história moderna do país refletem também as mudanças no cenário geopolítico que o mundo vem sofrendo desde o início da guerra na Ucrânia, de acordo com o professor de relações internacional da Universidade Federal Fluminense (UFF) Vitelio Brustolin, também professor adjunto na Universidade de Columbia (EUA) e pesquisador da faculdade de Direito de Harvard.
‘Isso é o reflexo da transformação geopolítica que nós vivemos, as maiores desde a dissolução da União Soviética’, disse Brutolin à GloboNews. ‘É um momento que, na academia, tem sido chamado de Guerra Fria 2.0, ou Nova Guerra Fria’.
A guerra na Ucrânia é o marco dessa mudança, de acordo com o relatório.
A invasão da Rússia ao país vizinho propulsou reajustes inéditos no cenário mundial. O primeiro deles foi quando a Finlândia, que compartilha 1.300 quilômetros de fronteira com território russo, e a Suécia decidiram abandonar o princípio de neutralidade que adotavam e solicitaram entrada com urgência na Otan.
O mundo também viu de volta ameaças de conflito entre os EUA e a Rússia, ex-União Soviética, repetindo o contexto da Guerra Fria.
Mas o prolongamento da guerra na Ucrânia, prestas a completar dois anos, e o início da guerra entre Israel e Hamas remodelaram as configurações de disputa de poder para um cenário multipolar: atores como o Irã, a Coreia do Norte e a China começaram a reivindicar protagonismo. E os orçamentos, disse o estudo do IISS, indicaram isso.
A Índia, pela primeira vez, gastou mais do que o Reino Unido, de quem é ex-colônia. ‘Isso demonstra também o contexto geopolítico na região do Mar do Sul da China’, afirmou o professor Vitelio Brustolin.
‘Os nossos novos dados mostram como os países estão remodelando seus planos de equipamento e despesas e como os seus laços regionais estão mudando de acordo com a realidade geopolítica’, diz o relatório.
Outros conflitos
O estudo também mostrou preocupação com outros conflitos e pontos de tensões, como:
- A busca por armas nucleares pela Coreia do Norte;
- A ascensão de regimes militares na região do Sahel, na África;
- As tensões entre a Venezuela e a Guiana por conta da reivindicação de Caracas sobre Essequibo, região que representa mais de 70% do território guianense.
- O aumento de manobras militares feitas pelo Exército chinês perto de Taiwan, a ilha que o país reivindica como sua.
No relatório, os pesquisadores do IISS apontam que este é um dos momentos mais perigosos do mundo desde a Segunda Guerra Mundial, mas também indica a possibilidade de alianças para neutralizar essas ameaças.
‘A atual situação de segurança militar anuncia o que será provavelmente uma década mais perigosa, caracterizada pelo aumento desmedido do poder militar, mas, também, laços de defesa bilaterais e multilaterais mais fortes em resposta”, disse o relatório.
Fonte: © G1 – Globo Mundo